sábado, 20 de setembro de 2008

Maria Alice Setubal: Valorização do professor passa por plano de carreira, salário digno e condições de trabalho

Todos Pela Educação: O que é preciso para valorizar os professores da Educação Básica?
Maria Alice Setubal: No Cenpec nós temos reafirmado o professor como uma figura central na aprendizagem. Acreditamos na importância fundamental da valorização do professor. E essa valorização passa por um plano de carreira, por um salário digno e condições de trabalho internas à escola, que atendam aos requisitos básicos para garantir uma Educação de qualidade. Ou seja, uma escola que tenha uma estrutura física em ordem, biblioteca, laboratório de informática, número adequado de alunos por classe, que tenha horas de trabalho em conjunto para discutir o planejamento da escola e que receba orientação das secretárias de Educação.
TPE: A Fundação Tide Setubal tem uma forte atuação na periferia de São Paulo, especificamente em São Miguel Paulista. O Cenpec já desenvolveu programas na Brasilândia e no Campo Limpo. Em sua opinião, quais são as principais dificuldades enfrentadas pelos professor e pelas as escolas das periferias dos grandes centros?
MA: Nós não podemos generalizar, como se as periferias fossem um todo homogêneo.. É possível encontrar regiões periféricas onde a sociedade civil é muito articulada. Na zona sul, por exemplo, no em torno do Jardim Ângela há várias instituições de diferentes natureza trabalhando, tanto vinculadas à igrejas, como a partidos políticos, movimentos sociais, ONGs, fundações empresariais... Enfim, existe um acúmulo de energia da sociedade civil articulado com programas públicos, que dá uma característica completamente diferente a aquela região.
Esse é só um exemplo de como não podemos citar as periferias de forma muito genéricas. No caso de São Miguel Paulista, há escolas que têm resultados muito bons. Talvez ela esteja em uma região da periferia melhor, porque as periferias também reproduzem o centro expandido da cidade. Existem bairros periféricos onde a maior parte de seus territórios estão em uma região de alta vulnerabilidade. Mas dentro desse mesmo bairro, por exemplo, em São Miguel, existe uma região central com baixa vulnerabilidade, semelhante ao centro expandido.
Não é possível generalizar, mas há uma tendência. Nessas regiões de alta vulnerabilidade, localizadas nas periferias, tem escolas que tiveram um resultado no Ideb muito baixo. Isso se deve ao acúmulo de fatores negativos como, por exemplo, uma rotatividade grande de professores, turmas com muitos alunos em sala de aula, professores que não têm uma qualificação tão boa porque tiveram uma formação de qualidade mais baixa. E tem, também, a questão social. A luta pela sobrevivência é tão grande que, mesmo que a família valorize a Educação, as dificuldades acabam rebatendo nas crianças.
Precisamos de uma política pública que realmente tenha foco na eqüidade e que faça com que essas crianças e escolas, que estão em territórios mais vulneráveis e apresentam Ideb mais baixo, tenham condições e apoio para superar essas adversidades.
TPE: Em sua opinião, o salário do professor impacta na qualidade do ensino?
MA: Muitas pesquisas elaboradas por economistas têm apontado que o aumento do salário do professor e o número de alunos por sala não incidem sobre a melhoria dos resultados do ensino. Nós questionamos um pouco os resultados dessas pesquisas. Não que as pesquisas não estejam corretas. A questão é mais complexa. Nós sabemos que o aumento nos salários dos professores não vai ter uma incidência direta na melhoria da qualidade. Mas acreditamos, com muita convicção, que se não melhorarmos os salários dos professores, não vamos atrair bons profissionais para essa área. E, portanto, não é uma questão imediata, uma relação causal: aumenta o salário, melhora a educação. Mas ao longo do tempo, se quisermos uma Educação de qualidade é fundamental que os professores tenham um salário digno.
TPE: Qual a sua avaliação sobre a criação do piso nacional para os profissionais do magistério da Educação Básica?
MA: É fundamental que o governo estabeleça um piso, um patamar mínimo. O piso ainda é muito baixo, mas é o que é possível em termos de Brasil. Agora, quanto à questão do número de horas de planejamento de aulas, eu acho que vai depender de cada realidade. É complexo uma lei federal determinar isso. Acredito que a discussão deveria ficar dentro da alçada municipal e estadual.
TPE: Qual a sua opinião sobre a remuneração por mérito?
MA: É uma questão muito complexa. Eu sou contra uma remuneração por gratificação para o professor individualmente por meta alcançada em sala de aula. Há diversas pesquisas em todo o mundo nas quais você vai encontrar escolas e redes de ensino em que a gratificação teve pontos positivos e em outros não. Mas acho que a experiência de São Paulo é interessante porque prevê a remuneração de todos os profissionais da escola e faz a comparação da escola em relação a ela mesma. Isso é muito interessante. Quero acompanhar e ver o resultado. Foi uma medida importante e corajosa da secretária de Educação de São Paulo.
TPE: Como atrair para a carreira docente jovens mais preparados. É só uma questão salarial?
MA: Não é só o salário, mas sem ter um salário razoável e uma proposta de qualificação desse salário, não é possível atrair bons professores, isso é uma condição. Acredito que outra condição, que é muito mais intangível, difícil e simbólica, é a sociedade voltar a valorizar o professor. As secretarias de Educação deveriam ter atitudes concretas, que apontem para essa valorização e que os pais passem a respeitar mais os professores. A sociedade tem que sinalizar concretamente, tanto a secretaria de Educação, quanto as famílias que o professor é uma figura respeitada.
TPE: O que é ensinado nas faculdades de Pedagogia coincide com a realidade encontrada na Sala de Aula?
MA: Acho difícil generalizar todas as faculdades de pedagogia, como se todas fossem ruins. Há escolas boas. Nessa última avaliação do Enade, do MEC, me chamou a atenção que algumas instituições particulares ficaram entre as melhores classificadas. Eu acho que a USP, a Unicamp, apesar de todas as questões que existem, também têm ótimos professores na faculdade de Educação e realizam trabalhos e pesquisas importantes. Agora, obviamente há um dado importantíssimo, pois a maioria dessas faculdades privadas são muito ruins e têm baixa qualidade de ensino. Mas só teremos uma base real após ter conhecimento dos resultados da avaliação nacional dos cursos de pedagogia. O que a gente percebe, conversando com os educadores que nós temos contato, é que esses cursos de pedagogia em geral são fracos, porque os professores têm salários muito baixos e acabam atraindo profissionais de baixa qualificação.
TPE: A cultura de avaliação está se firmando cada vez mais no Brasil, apesar de ainda haver um pouco de resistência por parte dos professores. Como mudar esta visão sobre as avaliações?
MA: Tenho a impressão que o Saresp aqui em São Paulo tem a participação mais próxima dos professores, mas nem por isso os professores gostam da avaliação. È muito difícil o professor gostar de avaliação, mas ela é fundamental. Mesmo quando o professor tem uma participação maior ele ainda mantém certa distância.
O que a gente percebe trabalhando na área da Educação é que são poucas as escolas públicas que conseguem ter uma discussão interna em cima dos resultados do Ideb, da Prova Brasil ou do Saeb. O que acaba fazendo com que as provas estejam muito distantes da realidade do professor no seu dia a dia. (Todos Pela Educação)

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