terça-feira, 16 de setembro de 2008

Celio Cunha, assessor especial da Unesco

Todos Pela Educação: De acordo com a Meta 3 do Todos Pela Educação, que mede o percentual de alunos que aprendeu o conteúdo adequado a cada série, em 2005, na 4ª série do Ensino Fundamental, somente 29,12% dos alunos sabiam o conteúdo de Língua Portuguesa e 20,41% o de Matemática. Quais são os principais fatores que impactam na qualidade do ensino no País?
Célio da Cunha: O grande desafio da Educação brasileira é, sem dúvida, a questão da aprendizagem. E para vencê-lo, acredito que é necessário colocar o professor no centro das políticas públicas. É preciso investir na formação inicial e continuada e principalmente na valorização da carreira, para que o professor possa se realizar profissionalmente, com auto-estima, convicto da sua missão. Acho que temos que cumprir duas metas. A primeira é garantir que todas as crianças e jovens tenham condições de aprender, isso significa garantir transporte, assistência à saúde... A segunda é garantir que todos os professores e escolas tenham condições de ensinar. Porque se o aluno enfrenta dificuldades, tanto o professor quanto a escola devem saber lidar com essa situação e procurar todos os recursos pedagógicos disponíveis para garantir que o aluno efetivamente aprenda.
TPE: Os indicadores educacionais revelam que os níveis de aprendizado no Brasil estão muito distantes do ideal. Alguns especialistas apontam como uma das causas da má qualidade do ensino a progressão continuada. Por outro lado, a reprovação é fator de desestímulo e em muitos casos responsável pela evasão ou abandono escolar. Há alternativas para estes modelos?
CC: É preciso ter ética e responsabilidade com relação ao direito da criança à qualidade do ensino. Por isso tem que haver uma aprovação honesta. É antiético aprovar uma criança que não aprendeu, assim como é antiético reprovar. A escola e os professores devem identificar quais são as dificuldades e prover os recursos pedagógicos necessários. Quanto melhor é a qualidade da escola, menor é o índice de evasão e reprovação. Um outro ponto essencial é a necessidade de construir um ambiente escolar que seja um lugar onde o aluno se sinta bem.
TPE: Muitos estados e municípios alegam que a falta de recursos pode inviabilizar a efetivação do piso e a ampliação das horas destinadas às atividades extra-classe. Como o senhor avalia esta situação?
CC: A criação do piso é um fato histórico, resultado dos esforços de vários setores. É um importante passo e uma grande oportunidade para a efetivação das políticas públicas educacionais. Por isso agora é preciso reunir esforços para viabilizar o piso, se é uma proposta federal, então a união, estados e municípios devem se unir para resolver os problemas que vão surgindo. A ampliação das horas destinadas às atividades extras-classes pode impactar a qualidade do ensino se elas forem utilizadas de forma bem planejada pela escola, com a integração entre os professores e os coordenadores pedagógicos, sempre com o apoio das secretarias de Educação.
TPE: Qual é a opinião do senhor sobre o investimento em Educação no Brasil?
CC: É preciso ampliar os investimentos em Educação a curto prazo, como por exemplo, o fim da DRU - Desvinculação dos Recursos da União, que pode contribuir para aumentar os recursos. No Brasil os investimentos ainda estão muito aquém e, atualmente, investe 4% do PIB em Educação, mas o Chile já destina 7%.
TPE: O Sistema de Avaliação da Educação Básica foi desenvolvido no final da década de 80 e aplicado pela primeira vez em 1990. Além do Ministério da Educação, diversas redes municipais e estaduais criaram seus sistemas de avaliação educacional. Como são utilizados os resultados das avaliações de ensino?
CC: Antes as avaliações eram feitas, mas as escolas não tinham conhecimento dos seus resultados. Hoje elas já têm. E com isso elas podem rever seu projeto pedagógico e garantir o aprendizado dos alunos, não apenas o aprendizado cognitivo, como por exemplo, cálculos, escrita, leitura, etc... Mas também uma formação para o exercício da cidadania. A escola constrói cidadãos quando ela mesma dá o exemplo, seja com a organização, com respeito aos cronogramas e aos horários, otimizando o tempo ao máximo, etc.
TPE: Em sua opinião, o conteúdo ensinado nas escolas condiz com a realidade dos alunos?
CC: Os conteúdos precisam ser constantemente atualizados para acompanhar as mudanças que estão ocorrendo. É preciso acompanhar as novas tecnologias e nesse sentido parece ser uma boa iniciativa esse programa de inclusão digital que o governo vem desenvolvendo nas escolas. O conteúdo ensinado deve fazer sentido para a vida dos alunos, caso contrário ele promove o desinteresse pela escola. Esse é um grande desafio do Ensino Médio. Até mesmo o vestibular e as universidades precisam vincular o conteúdo cobrado ao cotidiano, ao dia a dia.
TPE: Como a sociedade pode cobrar para que os alunos tenham garantido o seu direito à qualidade do ensino e aprendam efetivamente?
CC: Colocar a Educação como tema central é essencial e, para isso, precisamos de uma imprensa mais ativa, uma divulgação científica mais forte, promover a inclusão digital para ampliar o acesso ao conhecimento. Tudo isso para que a população participe do debate e cobre os futuros prefeitos a continuar, melhorar e fortalecer as políticas educacionais. E, principalmente, garantir que os municípios apliquem não só os 25% da receita resultante de impostos na Educação, mas invistam o que for necessário para garantir a qualidade do ensino. A criação de uma lei de responsabilidade educacional, defendida pelo movimento Todos Pela Educação, pode contribuir com este processo, sobretudo por dar mais clareza à gestão dos recursos.

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