quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Feijão com arroz. A receita é feijão com arroz: oferecer liquidez, manter investimentos públicos e baixar custos financeiros

EM PLENO frisson da eleição norte-americana, a semana passada foi um pouco mais tranqüila, talvez a menos agitada do mercado financeiro desde a dramática segunda-feira de 15 de setembro. Embora tenha havido uma recaída pós-eleição de Barack Obama, as Bolsas já se recuperaram um pouco aqui e lá fora. O Ibovespa subiu 24% em duas semanas, e o Dow Jones, 13% em comparação com seu nível mais baixo, do início de outubro. Desde o pico de R$ 2,38, em 22 de outubro, o dólar já caiu 8%. Em compensação, os sinais que vêm da economia real são muito preocupantes. Nos EUA, o desemprego em outubro atingiu o maior nível em 14 anos. No Brasil, em setembro, a indústria ainda vivia um momento excepcional. O índice de utilização da capacidade instalada da CNI, talvez o principal indicador da atividade industrial, atingiu 83,3%, muito próximo do recorde histórico de 83,4%. Em 12 meses até setembro, segundo o IBGE, a produção industrial cresceu 6,8%. Naquele mês, apenas 2 dos 26 setores pesquisados registraram queda de produção. Mas, infelizmente, esse ritmo não deve se manter. Em outubro, muitos setores continuaram aquecidos, ao mesmo tempo em que outros já enfrentavam quedas de produção e de vendas, principalmente em segmentos muito dependentes de crédito ao consumidor, como a indústria automobilística. Mudanças rápidas como essas exigem reação drástica e imediata, com medidas cirúrgicas, não homeopáticas. Está certo o Banco Central quando atua para irrigar o sistema de crédito e para liberar depósitos compulsórios dos bancos. Está certo o Ministério da Fazenda quando determina ao Banco do Brasil o repasse de R$ 4 bilhões aos bancos das montadoras para financiar a venda de veículos e quando dá um fôlego de R$ 21 bilhões ao caixa das empresas com a ampliação no prazo de recolhimento de tributos. Está certo também o BNDES, ao abrir linha de R$ 10 bilhões para capital de giro. Essas medidas são necessárias neste momento em que falta vontade aos bancos para exercer sua principal função, a de emprestadores de recursos ao setor produtivo. A liquidez e o custo dos financiamentos são as chaves para o enfrentamento da atual crise. O Banco da Inglaterra, numa ação ousada, fez um profundo corte na taxa de juros na quinta-feira, baixando-a de 4,5% para 3% ao ano. O BC Europeu cortou a taxa válida para a zona do euro em 0,5 ponto, para 3,25% ao ano. O BC americano já reduziu sua taxa para 1% ao ano e deverá fazer novo corte. A China anunciou, no domingo, pacote de investimentos de US$ 586 bilhões. Esse cenário indica que o principal inimigo agora é a recessão que ameaça a economia real. A crise financeira brutal, a eleição apoteótica de Obama nos EUA e a nova maneira de olhar os exorbitantes ganhos financeiros mostram que o mundo mudou. Em seu discurso de vitória, Obama disse uma frase simples, mas muito importante: "Se essa crise financeira valeu para alguma coisa, foi para nos ensinar que não podemos ter uma próspera Wall Street [setor financeiro] enquanto Main Street [setor produtivo] padece. "Tudo indica que, passado o estresse global, haverá um longo período em que voltarão a ser valorizadas as atividades produtivas. É para essa fase que o país precisa se preparar na agricultura, na indústria e nos serviços. Há muitos desafios pela frente, mas a receita de hoje é de feijão com arroz. Ou seja, é o momento de fazer aquilo que os demais grandes países estão fazendo: oferecer liquidez, manter investimentos públicos e baixar custos financeiros.
BENJAMIN STEINBRUCH, 55, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp.

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