segunda-feira, 18 de agosto de 2008

O que tanto nos decepciona?

O filósofo francês Gilles Lipovetsky, que já escreveu sobre luxo e consumo, diz que a política e as relações pessoais são as maiores frustrações da sociedade moderna. Na juventude, Gilles Lipovetsky militou num grupo pós-trotskista, mas nunca foi exatamente um comunista. Ele já escreveu sobre o luxo e virou consultor de grifes famosas, mas tampouco é um consumista. Redige seus livros à mão, em folhas de papel, nas mesas de hotéis, enquanto roda o mundo apresentando idéias tão acessíveis quanto polêmicas. Seu mais novo libelo se chama A sociedade da decepção (Ed. Manole, 104 págs. R$ 49), com lançamento marcado para segunda-feira 21, em São Paulo. Leia abaixo entrevista publicada na Revista Istoé desta semana.

ISTOÉ – O que é a sociedade da decepção?
Gilles Lipovetsky – A decepção é uma experiência humana universal desde sempre. Nas sociedades antigas, ela era restrita. Primeiro porque o desejo era mais limitado, existia uma cultura da resignação, resumida na expressão “é a vida”. E, depois, havia a religião, que limitava a decepção.
ISTOÉ – E quando ocorreu essa mudança?
Lipovetsky – A sociedade moderna fez explodir o sentimento da decepção. A democracia abriu o desejo das pessoas. Ela cria frustrações porque não suporta a desigualdade. E a era hipermoderna, que vivemos hoje, acelerou mais ainda a decepção, que agora está em todos os lugares, em todos os níveis sociais.
ISTOÉ – Primordialmente onde?
Lipovetsky – Na política, por exemplo. As pessoas, em todos os países, estão sempre decepcionadas com a política. Com a globalização, não há mais a esperança revolucionária. É a era do direito do homem, e este é sempre inferior ao desejo.
ISTOÉ – Quais outras fontes de decepção?
Lipovetsky – A escola. Antes ela tinha a virtude de permitir a ascensão social. Mas hoje temos jovens muito qualificados que trabalham em coisas que não correspondem a essa qualificação – e isso gera decepção.
ISTOÉ – Mas vive-se bem melhor do que no passado.
Lipovetsky – Vive-se globalmente melhor. As pessoas podem até se declarar felizes, mas isso não significa grande coisa. Há outros indicadores como a ansiedade no trabalho e com os filhos, taxas de suicídio e casos de depressão e dependência, que mostram como a sociedade de bem-estar é uma sociedade de frustrações.
ISTOÉ – De que maneira essas frustrações estão ligadas ao consumo?
Lipovetsky – Depois dos anos 60, desenvolveu- se a idéia de que o consumismo cria a decepção porque mostra o que você não vai ter. Ou que você seria forçosamente frustrado porque, quando tem uma coisa, já sonha com outra, como se isso levasse a pessoa a uma decepção permanente.
ISTOÉ – Por que isso não é verdade?
Lipovetsky – O consumo de bens materiais não é tão produtor de decepções. Os objetos têm um valor pela novidade. Não é porque você não tem um Jaguar que o seu carro modesto não o satisfaz. Você pode gostar da sua casa, sem que ela seja um castelo.
ISTOÉ – Então qual o consumo que leva à decepção?
Lipovetsky – O consumo cultural é o que decepciona. Veja, por exemplo, a televisão. Ela é feita para ser um espetáculo, mas se você fica zapeando é porque o espetáculo não o satisfaz. O zapping é uma permanente decepção.
ISTOÉ – E no campo das relações humanas?
Lipovetsky – A decepção mais forte, mais intensa, a mais cruel é a que você tem com outras pessoas. Então se engana quem culpa o consumo pela infelicidade. O que dá frustração é a individualização do mundo, é a relação com os outros e consigo mesmo.
ISTOÉ – Vivemos então um modelo fracassado?
Lipovetsky – Evito o pessimismo. A sociedade da decepção não é a da paralisia ou da depressão. As pessoas hoje têm mais iniciativa, existem mais associações, mais artistas. É uma sociedade que relança a vida, que permite um recomeço. Hoje podemos ter múltiplas vidas.
(Entrevista publicada na Revista Istoé 2007)

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